Estudo revela que a chave para o aumento da segurança hídrica no Sistema Cantareira, responsável pela água que chega até 7 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo, está na melhoria da qualidade do solo, por meio de práticas mais sustentáveis. Essa é conclusão do artigo “Interactions between land use and soil type drive soil functions, highlighting water recharge potential, in the Cantareira System, Southeast of Brazil” (Interações entre uso da terra e tipo de solo determinam funções do solo, destacando potencial de recarga hídrica, no Sistema Cantareira, Sudeste do Brasil) publicado na revista Science of the Total Environment, em dezembro de 2023.
Solos com bom funcionamento possuem a capacidade de fornecer alimentos e água limpa, ao mesmo tempo em que amortecem os efeitos das mudanças climáticas e protegem os recursos naturais. A pesquisa também tem o potencial de ajudar na determinação de áreas prioritárias para práticas de conservação e restauração.
O artigo é fruto da colaboração entre cinco instituições de pesquisa: IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, UFLA – Universidade Federal de Lavras, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso, Universidade da Flórida e Universidade Cornell. O artigo destaca que a mudança da mata nativa para áreas de produção agrícola é o principal fator de redução da qualidade do solo na camada superficial devido à compactação do solo. A pesquisa realizada nos municípios de Nazaré Paulista, Piracaia e Joanópolis, no estado de São Paulo, fornece informações que ajudam a compreender como funções cruciais do solo são afetadas por práticas agropecuárias – que são comuns na região, mas que comprometem funções essenciais do solo, como a recarga hídrica.
Sistemas Produtivos Sustentáveis já mostram resultados
O Sistema Cantareira é ocupado majoritariamente por áreas urbanas e pecuária (46%), florestas (35%), silvicultura de eucalipto (16%) e reservatórios (3%). As análises realizadas demonstram que a infiltração de água não foi favorecida por sistemas de pastagens sem manejo adequado, devido à compactação. No entanto, o pastoreio rotativo, uma das estratégias do Manejo da Pastagem Ecológica, promove uma cobertura vegetal mais densa, maior teor de matéria orgânica do solo e maior atividade radicular. Essas características aumentam a capacidade de suporte do solo dentro de uma série de deformações elásticas, bem como a resiliência ao impacto do tráfego de animais. O projeto Semeando Água já realizou a conversão de 100 hectares de pastagem convencional para ecológica e expandirá as implantações para mais 100 hectares nos próximos 2 anos.
O estudo avaliou a interação entre tipo de solo (Argissolo, Cambissolo e Neossolo) e uso e manejo da terra (pastagens rotacionadas e contínuas, cultivo de eucalipto e floresta nativa), a partir de análises de amostras de solo das camadas mais representativas de alterações das propriedades físicas, químicas e biológicas (0-5cm e 30-35cm).
As funções do solo e o Índice de Qualidade Física do Solo (SPQI) foram calculados com variação de 0 a 1, em que ótimos cenários receberam valor 1 e piores cenários valor 0. O estudo confirma que as florestas nativas apresentaram a pontuação mais alta no índice de qualidade de potencial de recarga de água subterrânea na camada superficial do solo, de 0,72 em Cambissolos – solos jovens e pouco profundos – contrastando com 0,16 para pastagem extensiva com sinais de degradação, o que na prática mostra 350% de diferença.
Solos cobertos por vegetação nativa apresentam maior teor de carbono, e consequente maior atividade microbiana, diversidade e abundância de componentes da macrofauna, que atua como dispersora de sementes. Esses resultados reforçam a necessidade de expansão das “Soluções Baseadas na Natureza”, técnicas agrícolas que regeneram o solo ao reproduzirem os fatores positivos observados em florestas nativas.
“Restaurar solos degradados é uma das principais formas de promover segurança hídrica para o Sistema Cantareira. Dessa forma, é possível aproveitar melhor a água da chuva, aumentando sua área de infiltração, para que os níveis dos reservatórios se mantenham mais estáveis. As mudanças climáticas agravam a ocorrência de eventos extremos, como secas prolongadas e essa é uma importante medida de mitigação. Precisamos nos preparar agora para evitar novas crises de abastecimento. Esta pesquisa apresenta dados que comprovam os benefícios da restauração florestal de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a utilização de técnicas agropecuárias que regeneram o solo. Por esse motivo é tão importante atuar junto aos produtores rurais da região”
explica Alexandre Uezu, um dos autores. Uezu é coordenador do Projeto Semeando Água, uma inciativa do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e professor da ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade.
Monna Lysa Santana, primeira autora do artigo, pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo, ressalta que é possível ter o equilíbrio entre a produção de alimentos e manutenção de outras funções do solo, principalmente a recarga hídrica, mas é preciso estar atento às técnicas de manejo aplicadas em cada situação e potencial natural de cada tipo de solo.
“Esse trabalho visou estudar três solos muito importantes na região. A coleta de amostras foi realizada em fazendas em que o Projeto Semeando Água atua. Quando pensamos na crise hídrica do Sistema Cantareira esse tipo de avaliação contribui para quantificar a sustentabilidade do sistema, através da saúde do solo por meio da mensuração das propriedades do solo, abordando aspectos sobre a sua estrutura, porosidade, capacidade de recarga hídrica, fertilidade, armazenamento de carbono e capacidade de resistência à erosão”.