O uso do solo na região do Sistema Cantareira é uma questão-chave para impulsionar o desenvolvimento social, ambiental e econômico. Com objetivo de avançar nessa direção e de compartilhar estratégias promissoras – tanto para produtores rurais quanto para beneficiários da água dessa região, a equipe do Projeto Semeando Água realizou o evento Que Clima É Esse? em 14 de março, no Salão Azul da Prefeitura de Piracaia.  Mais de 7,5 milhões de pessoas da região metropolitana de São Paulo, além de Campinas e Piracicaba recebem água do Sistema Cantareira.  

A adoção de boas práticas em propriedades rurais tem o potencial não apenas de contribuir com a conservação do solo e da água, mas também de aumentar a produtividade e, consequentemente, os resultados econômicos da produção. O evento mobilizou produtores rurais, técnicos extensionistas, membros do poder executivo e servidores públicos que atuam em órgãos ligados ao meio ambiente, agropecuária e desenvolvimento rural nos municípios de Piracaia e Nazaré Paulista. No momento, as demandas levantadas estão sendo sistematizadas para criação de um documento que será compartilhado entre os participantes e enviado a tomadores de decisão, com o objetivo de formular uma política pública regional que possa trazer incentivos aos produtores rurais que optarem pela transição da pastagem extensiva para a ecológica. 

Simone Tenório, coordenadora da frente de Políticas Públicas e Desenvolvimento Econômico Territorial do Projeto Semeando Água apresentou as estratégias integradas do projeto que promovem a mudança de uso de solo em propriedades rurais, por meio da implantação de Sistemas Produtivos Sustentáveis – como Sistemas Agroflorestais, Silvicultura de espécies nativas da Mata Atlântica e Manejo da Pastagem Ecológica, foco deste evento. Na agropecuária, a técnica melhorar a permeabilidade e fertilidade do solo, possibilitando a aumentar a quantidade de animais por hectare ou reduzir seu tempo de ocupação na propriedade.  

“Considerando que estamos em uma região de mananciais, produtora de água, o desenvolvimento precisa ser pensado de maneira diferenciada. Estamos lidando com um bem comum e imprescindível em todos os sentidos. Os produtores rurais são os primeiros a terem seus negócios impactados e precisam estar preparados para este desafio. São ainda, os protagonistas na conservação dos recursos hídricos e necessitam de apoio para promover a transição de seus modos de produção para formas mais adequadas e adaptadas à nossa nova economia de transformação ecológica.” O projeto Semeando Água é uma iniciativa do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental. 

David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. explicou como se forma o Efeito Estufa e quais as principais fontes de emissão responsáveis pelo aquecimento global. Tsai apresentou a plataforma SEEG, que mede as emissões municipais por setores (agropecuária, energia, mudanças de uso da terra, processos industriais e resíduos). O Brasil ocupa o primeiro lugar mundial nas emissões por mudança de uso da terra, devido a seus altos índices de desmatamento e o quarto lugar nas emissões originárias da atividade agropecuária. Entender as principais fontes de emissão é essencial para planejar soluções de mitigação das Mudanças Climáticas adequadas a cada situação. 

No mapa abaixo é possível visualizar as principais fontes de emissão das cidades que compõem o Sistema Cantareira. Os municípios estratégicos para o abastecimento do Sistema, aqueles que possuem maiores áreas dentro das bacias hidrográficas em questão, têm como maior fonte de emissão a categoria “mudança de uso da terra”. 

“Para nós que trabalhamos na construção de estimativas de emissões em escala nacional é muito enriquecedor vir para o chão e ver a realidade do território. Construímos o SEEG justamente para ajudar na construção de políticas públicas, contribuindo com informações que sejam úteis, não só a nível nacional, mas também municipal.” explica David Tsai. 

Flavio Baracho, zootecnista especialista em nutrição de ruminantes e coordenador de Manejo da Pastagem Ecológica do Projeto Semeando Água, revelou os benefícios da adoção da técnica.

“É como se você tivesse um lote na cidade que, ao invés de construir uma casa térrea, você vai construir um edifício de 10 andares, em termos de aproveitamento da área. A qualidade do pasto fornecida para o animal é a melhor possível. Em termos econômicos, no pastoreio extensivo, que você deixa o animal na área sem controlar como ele come, você está aproveitando apenas 30% da capacidade de produção. Ao colocar a maior quantidade de animais no menor tempo e menor espaço, eles vão comer tudo o que tem ali o mais rápido possível, sem pisar, sem ruinar e sem bostejar em cima, o que diminui as perdas. Você tem mais produção ao longo do ano e mais estabilidade. Quando chega o período seco, tem o capim produzindo por mais tempo. Esses elementos que melhoram a qualidade de vida dos animais podem aumentar a produção de leite em 20% e de bezerros em até 4 vezes.”

O Manejo da Pastagem Ecológica consiste na separação dos animais em áreas menores, os piquetes, com a utilização de cercas elétricas de baixo custo a fim de maximizar o aproveitamento da pastagem. No Manejo da Pastagem Ecológica os animais acessam piquetes determinados por alguns dias (ao invés da área toda) e assim fazem o rodízio na área. Dessa forma é possível reduzir o pisoamento, e consequentemente, a compactação do solo, tornando-o mais fértil para a produção do capim e outras forrageiras. Solos menos compactados permitem que a água infiltre, reabastecendo os lençóis freáticos e reduzindo a quantidade de terra arrastada pela chuva, o que também contribui para uma pastagem mais produtiva.  

Baracho lidera a implantação de 100 hectares de Manejo da Pastagem Ecológica em Piracaia e Joanópolis, cidades paulistas que integram o Sistema Cantareira, via Projeto Semeando Água a partir de convênio firmado entre o Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística – SEMIL, e a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo – ARSESP, no âmbito do Programa Refloresta-SP, objetivando a conjugação de esforços para a recuperação dos mananciais da Área de Proteção Ambiental – APA Sistema Cantareira e obtenção de subsídios para o desenvolvimento de mecanismos  para promover a restauração de mananciais com Soluções Baseadas na Natureza – SbN. 

Representando os produtores rurais, Valdemir e Marcia dos Santos, beneficiários do Projeto Conexão Mata Atlântica, realizado pela SEMIL, relataram sua experiência de transição da pastagem extensiva para o Manejo da Pastagem Ecológica, junto a técnicos e extensionistas do projeto. Valdemir e Marcia trabalham com Sistemas Agroflorestais, agricultura orgânica e pecuária de corte. Entre os principais resultados apontaram a redução de permanência do gado no pasto de 30 a 24 meses para 18 meses, o que possibilitou a abertura de uma janela de 3 meses para a recuperação da pastagem. A aceleração na produção refletiu em melhora na qualidade do solo e disponibilidade hídrica na propriedade, além dos resultados econômicos proporcionados pela atividade. 

Helena Carrascosa, subsecretária de Meio Ambiente SEMIL e coordenadora do Programa Refloresta, destacou o potencial de ações locais para a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

“Ao unir em um evento temas que parecem distantes, a questão climática com práticas cotidianas, como o manejo de pastagem em propriedades rurais, através de exemplos práticos e depoimentos de quem já faz isso, é possível conectar tudo, ver como a ação que o proprietário rural faz lá na área dele, dependendo da forma como ele faz, contribui para questões mais amplas, como a conservação da água e equilíbrio do clima. A gente viu hoje aqui como o manejo impacta a produtividade da pecuária e como isso pode reduzir a emissão de Gases de Efeito Estufa. Se conseguirmos ajudar as pessoas a conectarem tudo isso, enxergarem onde suas ações se encaixam dentro da questão do clima, como isso nos afeta, conseguimos conectar uma preocupação planetária, global, ao nosso dia a dia. E discutir com os atores da região como a gente pode fazer é fundamental.”

Maria José Zakia, consultora ambiental especialista em conservação de solo e água, trouxe a importância de mobilizar produtores rurais em direção de práticas mais sustentáveis, inclusive economicamente, em especial tendo em vista o longo prazo. 

Unir a teoria com a prática, uma prática da realidade rural, não digo que é o primeiro passo, mas é mais um passo na busca da valorização e reconhecimento do espaço rural nos desafios globais, nacionais, regionais, locais de meio ambiente e sociedade. A presença do produtor rural nestes espaços é fundamental, porque é ele quem faz as coisas acontecerem, se os produtores quiserem vai acontecer, se eles não quiserem ou não souberem não vai, porque é difícil que não queiram, mas é muito comum que não saibam. Precisamos realmente compartilhar conhecimento, esforços e custos para que eles possam, em sua plenitude, serem produtores de alimentos, de água, de ecossistemas, de clima regulado. Já temos formas de avaliar o valor de vários serviços ambientais e ecossistêmicos e quando você compara o que é produzido por um coletivo de propriedades rurais e o que os programas de incentivo financeiro conseguem pagar a diferença é enorme, então essa valoração e valorização é superimportante. E é dos dois lados, deles se entendendo como provedores de um serviço e nós, que somos beneficiários da água, do clima, entendermos o nosso papel também.”

Após a fala de Zákia, o público se dividiu em dois grupos a fim de construir coletivamente diretrizes regionais para o desenvolvimento do território. Os grupos discutiram as principais barreiras à adoção do Manejo da Pastagem Ecológica por proprietários rurais, como dificuldades de acesso a informações, crédito, mão de obra, mercado consumidor e Assistência Técnica qualificada. Entre as possibilidades de soluções foram abordados: ampliação do acesso a políticas públicas e fontes de recursos para Programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), além de outros incentivos fiscais para produtores rurais e fortalecimento da articulação entre instituições que atuam na região. As demandas estão sendo sistematizadas para criação de um documento que será compartilhado entre os participantes do evento e enviado a tomadores de decisão, com o objetivo de formular uma política pública regional que possa trazer incentivos aos produtores rurais que optarem pela transição da pastagem extensiva para a ecológica. 

Para Simone Tenório, é preciso viabilizar que produtores rurais interessados tenham condição real de implementar as mudanças necessárias na propriedade.

“Não é possível cobrar do produtor rural a transição sem dar incentivos econômicos e assistência técnica. Ao mesmo tempo, é preciso considerar que a mudança deve ser prioridade para a região, com metas bem estabelecidas, visto que o mau uso do solo impacta de forma negativa o reabastecimento de água para o Sistema Cantareira. A escolha das técnicas de manejo utilizadas por produtores rurais reverbera no benefício ou prejuízo de milhões de pessoas em casos de escassez de água, já que são eles os guardiões desse bem precioso e que é direito de todos”.